O BOM EXEMPLO QUE O PADRE DEVE DAR
Estabeleceu
Jesus Cristo na santa Igreja duas ordens de fiéis, a dos leigos e a dos
eclesiásticos, com a diferença que aqueles são discípulos e ovelhas,
estes mestres e pastores. Daqui o preceito de S. Paulo aos leigos: Obedecei aos vossos superiores e sujeitai-vos a eles, porque vigiam por vós e em boa parte são responsáveis pelas vossas almas. Por outra parte adverte aos eclesiásticos: Estai atentos a vós mesmos e a todo o rebanho, de que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para governardes a Igreja de Deus. E do mesmo modo lhes fala S. Pedro: Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado.
Donde
com razão conclui Sto. Agostinho que nada há nem mais difícil, nem mais
arriscado que o ônus sacerdotal; e isso precisamente em razão do dever,
que incumbe ao padre de ser um espelho de virtude, no interior e no
exterior, para que os outros aprendam dele a viver bem. Que bem não faz o
exemplo dum santo padre! Diz-nos a Escritura que se vivia santamente em
Jerusalém, sob o pontificado de Onias, por causa da sua virtude. O
Concílio de Trento diz que a virtude dos chefes é a salvação dos
súditos. Que males ao contrário não resultam dos maus exemplos dum
padre! É do que o Senhor se lamenta pela boca de Jeremias: O meu povo é
um rebanho perdido; foram os pastores que o transviaram8. Não, exclama
S. Gregório, ninguém prejudica tanto os interesses de Deus como os
padres, quando estabelecidos para corrigirem os outros, lhes dão maus
exemplos.
Segundo S. Bernardino de Sena,
ao verem a vida dos maus padres, os seculares não pensam mais em se
corrigirem; chegam até a desprezar os Sacramentos, assim como os bens e
penas da outra vida. Respondem como o pecador de que fala Sto.
Agostinho: A quem me propondes como exemplar? Quereis que faça o que nem os eclesiásticos fazem? Um dia dizia o Senhor a Santa Brígida: Os
maus exemplos dos padres são causa de que os pecadores se obstinem no
pecado; primeiro envergonham-se, mas depois fazem gala do pecado.
Diz ainda S. Gregório: São os sacerdotes na Igreja, como os alicerces num templo. Quando os alicerces falham, todo o edifício desaba. Por isso na ordenação dos padres a Igreja faz por eles esta prece: Que
neles resplandeça a justiça, a constância, a misericórdia, a fortaleza e
as outras virtudes; que a sua vida sirva de exemplo aos outros.
Devem os padres não só ser santos, mas parecê-lo, porque no dizer de
Sto. Agostinho, se a boa consciência é necessária ao padre para se
salvar, também lhe é igualmente necessária a boa reputação, para salvar
os outros. Sem esta, embora fosse bom para si próprio, seria cruel para
com os outros e, perdendo-os, perder-se-ia com eles. Escolheu Deus os
padres entre todos os homens, não só para lhe oferecerem sacrifícios,
mas para edificarem todos os outros com o bom odor das suas virtudes.
São os padres o sal da terra.
São os padres, diz a Glosa, que devem condimentar de algum modo os
outros homens, para os tornarem agradáveis a Deus, formando-os na
prática da virtude por suas palavras, e ainda mais pelos seus exemplos.
São também os padres a luz do
mundo, devem pois, como o divino Mestre acrescenta, brilhar no meio de
todos os fiéis pelo resplendor das suas virtudes, e glorificar assim o
Deus que tantas distinções e honras lhes prodigaliza: Sois vós a luz do mundo.
Mostre se pois radiante aos olhos dos homens a vossa luz, para que
vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.
Era o que S. João Crisóstomo recordava aos padres: Se nos escolheu, foi para que nos tornemos luzeiros. Por sua vez, dizia o papa Nicolau, são os astros que devem irradiar ondas de luz sobre todo o povo. Isto é conforme com as palavras de Davi: Os que formam a muitos na santidade, hão de brilhar como estrelas por todos os séculos dos séculos.
Mas, para alumiar os povos, não
basta que o padre brilhe pelos seus discursos; é necessário que lhes
ajunte a luz do bom exemplo; porque a vida do padre, no dizer de S.
Carlos Borromeu, é o farol para o qual os simples levantam os olhos, do
meio das vagas e trevas do mar tempestuoso do mundo, para escaparem ao
naufrágio. O mesmo dizia S. João Crisóstomo: Deve o padre levar uma
vida edificante, para que todos vejam nele um modelo excelente; visto
que Deus nos escolheu para que sejamos como luminárias, que mostrem aos
outros o caminho a seguir.
É a vida do padre a luz, da qual diz Nosso Senhor que deve ser colocada no candelabro para alumiar todos os homens: Não
se acende uma luz para a meter debaixo do alqueire, mas para a por no
candelabro, para que alumie todos os que estão em casa. Donde o Concílio de Bordeus conclui: De
tal modo estão os eclesiásticos expostos aos olhares de todos os
homens, que estes tomam, como regra os bons ou maus exemplos deles. É
pois o padre a luz do mundo; mas, se a luz se demudar em trevas, o que
se tornará o mundo? São também os padres os pais dos cristãos, como lhes chama S. Jerônimo: Patres christianorum. Se são pais de todos os fiéis, acrescenta S. João Crisóstomo, necessário
é que tomem cuidado de todos os seus filhos, e se esforcem
principalmente em levá-los para o bem, primeiro pelo bom exemplo e
depois por sábias instruções. De contrário, se o padre der maus
exemplos, diz Pedro de Blois, os seus filhos espirituais não deixarão de
o seguir.
Também os padres são mestres e modelos de todas as virtudes. Disse o nosso Salvador aos seus discípulos: Assim como meu Pai me enviou, também eu vos envio.
Do mesmo modo portanto que o Padre eterno enviou Jesus Cristo à terra,
para servir de modelo aos homens, o próprio Jesus Cristo estabeleceu os
padres no mundo, para serem cá modelos de santidade.
É o que significa o nome de
Sacerdote, como o explica Pedro Comestor. O mesmo significado tem a
palavra Presbítero, segundo Honório de Autun.
Também o Apóstolo escreveu a Tito: Apresenta-te como modelo em tudo... para que os inimigos da nossa fé nos respeitem e nada tenham de que nos argüir.
Diz S. Pedro Damião que o Senhor, ao estabelecer os padres, os separou
do povo, para que não vivam como o povo. Deve a vida deles ser uma regra
que ensine os fiéis a viverem bem. Por isso S. Pedro Crisólogo chama ao
padre a forma das virtudes. E S. João Crisóstomo, dirigindo-se ao
padre, diz também: Que o espelho da vossa vida santa seja para todos uma lição e um modelo de virtude.
As próprias funções do ministério sacerdotal exigem isto como escreve
S. Bernardo. Desejoso de ver os povos santificados, Davi fazia a Deus
esta súplica: Que os vossos sacerdotes sejam revestidos da justiça, e exultem de alegria os vossos santos. Ser alguém revestido de justiça, é dar exemplo de todas as virtudes: de zelo, humildade, modéstia etc.
Numa palavra, diz o Apóstolo,
devemos mostrar, pela santidade da nossa vida, que somos verdadeiramente
os ministros dum Deus santo: Mostremonos em tudo verdadeiros ministros de Deus... pela castidade, pela sabedoria, pela paciência. E é o que o próprio Jesus Cristo diz: Se alguém quer ser ministro meu, siga os meus passos.
O padre pois deve reproduzir em si mesmo os exemplos de Jesus Cristo,
de modo que, diz Sto. Ambrósio, se torne um objeto de edificação para os
fiéis, e ao vê-lo cada um possa dar testemunho da santidade da sua
vida, e glorificar a Deus por tais ministros.
Foi o que fez dizer a Minúcio
Felis que se devem reconhecer os padres, não pela magnificência do trajo
e elegância da cabeleira, mas pela modéstia e inocência dos costumes.
Colocado na terra para lavar as manchas dos outros, observa S. Gregório,
é necessário que o padre seja santo, e faça ver que o é.
São os padres os guias dos
povos, segundo S. Pedro Damião. Mas, diz S. Dionísio, que ninguém tenha a
audácia de se constituir diretor dos outros nas coisas divinas, se
primeiro se não tiver tornado mui semelhante a Deus. E o abade Filipe de
Boa-Esperança acrescenta: É a vida dos clérigos que serve de modelo aos leigos: aqueles caminham na vanguarda como guias, estes seguem-nos como um rebanho.
Santo Agostinho chama aos padres Rectores terrae. Ora, quem é
constituído para corrigir os outros, deve estar a salvo de toda a
censura, como diz o papa Hormisdas. E no concílio de Pisa lê-se: Quanto
os eclesiásticos estão acima dos leigos pela sua dignidade, tanto devem
edificá-los como o resplendor das suas virtudes; deve ser tal asua virtude que mova os outros à santidade. Como escreveu S. Leão: A vida exemplar dos governantes é a salvação dos súditos.
Por S. Gregório de Nissa é o
padre chamado um mestre da santidade. Mas, se o mestre é orgulhoso, como
há de ensinar a humildade? Se é intemperante, como há de ensinar a
mortificação? Se é vingativo, como ensinará a doçura? Quem está à frente
do povo, para o instruir e formar na virtude, diz Sto. Isidoro, tem
obrigação de ser santo, sob todos os pontos de vista.
Se o Senhor disse a todos os homens: Sêde perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito, como observa Salviano, com quanto mais rigor há de exigir a perfeição dos padres, que estão encarregados de formar na virtude os outros?
Como poderá acender o amor de Deus no coração dos outros, quem não
mostra pelas suas obras que está abrasado desse fogo sagrado?
Nada pode incendiar uma luz
apagada, diz S. Gregório. E S. Bernardo acrescenta que a linguagem do
amor, na boca de quem não ama a Deus, é uma linguagem bárbara e
estranha. Resultará, diz ainda S. Gregório, que o padre que não dá bom
exemplo tornará desprezíveis os seus sermões, e até todas as suas
funções espirituais, ajunta Sto. Tomás. Ordenou o Concílio de Trento que
só sejam admitidos ao sacerdócio os que de tal modo se tornarem
conhecidos pela sua piedade, e pureza de seus costumes, que se possam
esperar deles exemplos excelentes de boas obras e advertências
salutares. — Veja a este respeito o que diz o N. C. de Direito Canônico,
principalmente no § 3. do cân. 973.
Assim, notai bem, o que primeiro
se deve esperar do padre é o bom exemplo, e depois os bons conselhos,
porque diz o Concílio, o bom exemplo é uma espécie de pregação contínua.
Antes de pregarem com a palavra, devem os padres pregar com o exemplo,
como ensina Sto. Agostinho. E S. João Crisóstomo diz: Nenhuma trombeta ressoa tão alto como os bons exemplos.
Tal era a razão desta advertência de S. Jerônimo ao seu caro Nepociano: Que
a tua conduta não desminta as tuas instruções; de contrário, ao
pregares na igreja, cada ouvinte poderia dizer baixinho: Porque não
fazes o que pregas? A mesma linguagem emprega S. Bernardo: Terão
força as vossas palavras, desde que os ouvintes estejam persuadidos de
que muito primeiro começastes a praticar o que pregais aos outros. Mais
força tem o pregão das obras que a voz da boca. Para que um pregador
persuada os outros do que ensina, é necessário que ele próprio esteja e
se mostre disso convicto; mas, como poderá mostrar-se tal quando faz o
contrário do que diz? Quem faz o contrário do que ensina, a si próprio
se condena, em vez de instruir os outros, diz o autor da Obra
imperfeita. Persuade e comove um sermão, diz S. Gregório, quando a vida
do pregador o confirma. Mais se movem os homens pelo que vêem do que
pelo que ouvem; isto é, deixam-se persuadir antes pelos exemplos que
lhes falam aos olhos, do que pelos discursos que lhes ressoam aos
ouvidos. É o que fazem notar os padres dum Concílio, que por
conseqüência querem que o sacerdote dê bom exemplo, tanto no modo de
trajar como de viver. São os padres os espelhos do mundo, nos diz o
Concílio de Trento; neles têm fixos os olhos todos os fiéis e os tomam
como modelos em toda a sua conduta.
No mesmo sentido, diz S. Gregório: “É
justo que o sacerdote se imponha pelos seus costumes, de modo que seja
como um espelho em que o povo aprenda o que tem a fazer e a corrigir. É o que o Apóstolo nos dá a entender nestas palavras: Somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens. Tudo reclama a santidade do padre,
escreveu S. Jerônimo. Segundo Sto. Euquério, suportam os padres o peso
do mundo inteiro, isto é, têm o dever de salvar todas as almas; mas
como? Pelo poder da santidade e pela força dos bons exemplos. Dali este
decreto do 3.º Concílio de Valença: “É necessário que o padre se esforce
por se mostrar um modelo de regularidade e modéstia, na sua
apresentação grave, no seu rosto e nas suas palavras.
Notem-se estes três pontos: 1.
Habitus. Que exemplo de modéstia podem dar os padres que, em vez de
trazerem um casaco comprido e decente, usam jaquetões impróprios, punhos
com botões de ouro?... 2. Vultus. Para inculcar modéstia, quando se
aparece em público, é necessário conservar os olhos baixos, não só ao
altar e na igreja, mas por toda a parte em que se encontrem pessoas do
outro sexo. 3. Sermonis. Deve o padre tomar todo o cuidado para não
repetir certas máximas do mundo e certas chocarrices contrárias à
modéstia. O 4.º Concílio de Cartago mandou suspender das suas funções
todo o clérigo que descesse a gracejos indecorosos. Mas que mal há em gracejar? Não, responde S. Bernardo, essas
chocarrices entre seculares não passam de graçolas, mas na boca dum
padre são blasfêmias, que causam horror. E acrescenta: Vós consagrastes a
vossa boca à pregação do Evangelho; não podeis sem pecado abri-la a
palavras tais, nem acostumar- vos a elas sem vos tornardes culpado de
sacrilégio. É sempre perigoso dizer coisas que não edifiquem os que as
ouvem. E coisas há, diz Pedro de Blois, que para os outros são
leviandades e para o padre são um crime; porque da parte dele todo o mau
exemplo se lhe torna em falta grave, desde que seja ocasião de queda
para os outros. Lê-se em S. Gregório de Nazianzo: As manchas num vestido rico são mais sensíveis e causam maior impressão a quem as vê.
Deve também o sacerdote
abster-se de toda a maledicência. No dizer de S. Jerônimo, há padres que
se resguardam dos outros vícios e parece que não podem resistir à
murmuração. Importa-lhes ainda não freqüentar as pessoas do mundo, em
cuja sociedade se respira um ar viciado, que com o tempo arruína a saúde
da alma; é a reflexão de S. Basílio. Deve finalmente o padre abster-se
de certos divertimentos seculares, em que não seria edificante ver-se um
ministro dos altares, como em comédias de todo profanas, bailes e
reuniões, aonde afluem mulheres. É necessário, ao contrário, que ele
seja visto a orar na igreja, a dar a sua ação de graças depois da missa,
a visitar o Santíssimo, e a Mãe de Deus. Muitos há que cumprem os seus
deveres de piedade às ocultas, com receio de serem vistos; é bom que se
façam ver, não para atraírem louvores, mas para darem bom exemplo, e
levarem os outros a glorificar a Deus, imitando-os.
Trecho do Livro A Selva – Santo Afonso Maria de Ligório pag 69-71
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