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terça-feira, 13 de março de 2012

O BOM EXEMPLO QUE O PADRE DEVE DAR

Estabeleceu Jesus Cristo na santa Igreja duas ordens de fiéis, a dos leigos e a dos eclesiásticos, com a diferença que aqueles são discípulos e ovelhas, estes mestres e pastores. Daqui o preceito de S. Paulo aos leigos: Obedecei aos vossos superiores e sujeitai-vos a eles, porque vigiam por vós e em boa parte são responsáveis pelas vossas almas. Por outra parte adverte aos eclesiásticos: Estai atentos a vós mesmos e a todo o rebanho, de que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para governardes a Igreja de Deus. E do mesmo modo lhes fala S. Pedro: Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado.
Donde com razão conclui Sto. Agostinho que nada há nem mais difícil, nem mais arriscado que o ônus sacerdotal; e isso precisamente em razão do dever, que incumbe ao padre de ser um espelho de virtude, no interior e no exterior, para que os outros aprendam dele a viver bem. Que bem não faz o exemplo dum santo padre! Diz-nos a Escritura que se vivia santamente em Jerusalém, sob o pontificado de Onias, por causa da sua virtude. O Concílio de Trento diz que a virtude dos chefes é a salvação dos súditos. Que males ao contrário não resultam dos maus exemplos dum padre! É do que o Senhor se lamenta pela boca de Jeremias: O meu povo é um rebanho perdido; foram os pastores que o transviaram8. Não, exclama S. Gregório, ninguém prejudica tanto os interesses de Deus como os padres, quando estabelecidos para corrigirem os outros, lhes dão maus exemplos.

Segundo S. Bernardino de Sena, ao verem a vida dos maus padres, os seculares não pensam mais em se corrigirem; chegam até a desprezar os Sacramentos, assim como os bens e penas da outra vida. Respondem como o pecador de que fala Sto. Agostinho: A quem me propondes como exemplar? Quereis que faça o que nem os eclesiásticos fazem? Um dia dizia o Senhor a Santa Brígida: Os maus exemplos dos padres são causa de que os pecadores se obstinem no pecado; primeiro envergonham-se, mas depois fazem gala do pecado.

Diz ainda S. Gregório: São os sacerdotes na Igreja, como os alicerces num templo. Quando os alicerces falham, todo o edifício desaba. Por isso na ordenação dos padres a Igreja faz por eles esta prece: Que neles resplandeça a justiça, a constância, a misericórdia, a fortaleza e as outras virtudes; que a sua vida sirva de exemplo aos outros. Devem os padres não só ser santos, mas parecê-lo, porque no dizer de Sto. Agostinho, se a boa consciência é necessária ao padre para se salvar, também lhe é igualmente necessária a boa reputação, para salvar os outros. Sem esta, embora fosse bom para si próprio, seria cruel para com os outros e, perdendo-os, perder-se-ia com eles. Escolheu Deus os padres entre todos os homens, não só para lhe oferecerem sacrifícios, mas para edificarem todos os outros com o bom odor das suas virtudes.

São os padres o sal da terra. São os padres, diz a Glosa, que devem condimentar de algum modo os outros homens, para os tornarem agradáveis a Deus, formando-os na prática da virtude por suas palavras, e ainda mais pelos seus exemplos.

São também os padres a luz do mundo, devem pois, como o divino Mestre acrescenta, brilhar no meio de todos os fiéis pelo resplendor das suas virtudes, e glorificar assim o Deus que tantas distinções e honras lhes prodigaliza: Sois vós a luz do mundo. Mostre se pois radiante aos olhos dos homens a vossa luz, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus. Era o que S. João Crisóstomo recordava aos padres: Se nos escolheu, foi para que nos tornemos luzeiros. Por sua vez, dizia o papa Nicolau, são os astros que devem irradiar ondas de luz sobre todo o povo. Isto é conforme com as palavras de Davi: Os que formam a muitos na santidade, hão de brilhar como estrelas por todos os séculos dos séculos.

Mas, para alumiar os povos, não basta que o padre brilhe pelos seus discursos; é necessário que lhes ajunte a luz do bom exemplo; porque a vida do padre, no dizer de S. Carlos Borromeu, é o farol para o qual os simples levantam os olhos, do meio das vagas e trevas do mar tempestuoso do mundo, para escaparem ao naufrágio. O mesmo dizia S. João Crisóstomo: Deve o padre levar uma vida edificante, para que todos vejam nele um modelo excelente; visto que Deus nos escolheu para que sejamos como luminárias, que mostrem aos outros o caminho a seguir.

É a vida do padre a luz, da qual diz Nosso Senhor que deve ser colocada no candelabro para alumiar todos os homens: Não se acende uma luz para a meter debaixo do alqueire, mas para a por no candelabro, para que alumie todos os que estão em casa. Donde o Concílio de Bordeus conclui: De tal modo estão os eclesiásticos expostos aos olhares de todos os homens, que estes tomam, como regra os bons ou maus exemplos deles. É pois o padre a luz do mundo; mas, se a luz se demudar em trevas, o que se tornará o mundo? São também os padres os pais dos cristãos, como lhes chama S. Jerônimo: Patres christianorum. Se são pais de todos os fiéis, acrescenta S. João Crisóstomo, necessário é que tomem cuidado de todos os seus filhos, e se esforcem principalmente em levá-los para o bem, primeiro pelo bom exemplo e depois por sábias instruções. De contrário, se o padre der maus exemplos, diz Pedro de Blois, os seus filhos espirituais não deixarão de o seguir.

Também os padres são mestres e modelos de todas as virtudes. Disse o nosso Salvador aos seus discípulos: Assim como meu Pai me enviou, também eu vos envio. Do mesmo modo portanto que o Padre eterno enviou Jesus Cristo à terra, para servir de modelo aos homens, o próprio Jesus Cristo estabeleceu os padres no mundo, para serem cá modelos de santidade.

É o que significa o nome de Sacerdote, como o explica Pedro Comestor. O mesmo significado tem a palavra Presbítero, segundo Honório de Autun.

Também o Apóstolo escreveu a Tito: Apresenta-te como modelo em tudo... para que os inimigos da nossa fé nos respeitem e nada tenham de que nos argüir. Diz S. Pedro Damião que o Senhor, ao estabelecer os padres, os separou do povo, para que não vivam como o povo. Deve a vida deles ser uma regra que ensine os fiéis a viverem bem. Por isso S. Pedro Crisólogo chama ao padre a forma das virtudes. E S. João Crisóstomo, dirigindo-se ao padre, diz também: Que o espelho da vossa vida santa seja para todos uma lição e um modelo de virtude. As próprias funções do ministério sacerdotal exigem isto como escreve S. Bernardo. Desejoso de ver os povos santificados, Davi fazia a Deus esta súplica: Que os vossos sacerdotes sejam revestidos da justiça, e exultem de alegria os vossos santos. Ser alguém revestido de justiça, é dar exemplo de todas as virtudes: de zelo, humildade, modéstia etc.

Numa palavra, diz o Apóstolo, devemos mostrar, pela santidade da nossa vida, que somos verdadeiramente os ministros dum Deus santo: Mostremonos em tudo verdadeiros ministros de Deus... pela castidade, pela sabedoria, pela paciência. E é o que o próprio Jesus Cristo diz: Se alguém quer ser ministro meu, siga os meus passos. O padre pois deve reproduzir em si mesmo os exemplos de Jesus Cristo, de modo que, diz Sto. Ambrósio, se torne um objeto de edificação para os fiéis, e ao vê-lo cada um possa dar testemunho da santidade da sua vida, e glorificar a Deus por tais ministros.

Foi o que fez dizer a Minúcio Felis que se devem reconhecer os padres, não pela magnificência do trajo e elegância da cabeleira, mas pela modéstia e inocência dos costumes. Colocado na terra para lavar as manchas dos outros, observa S. Gregório, é necessário que o padre seja santo, e faça ver que o é.

São os padres os guias dos povos, segundo S. Pedro Damião. Mas, diz S. Dionísio, que ninguém tenha a audácia de se constituir diretor dos outros nas coisas divinas, se primeiro se não tiver tornado mui semelhante a Deus. E o abade Filipe de Boa-Esperança acrescenta: É a vida dos clérigos que serve de modelo aos leigos: aqueles caminham na vanguarda como guias, estes seguem-nos como um rebanho. Santo Agostinho chama aos padres Rectores terrae. Ora, quem é constituído para corrigir os outros, deve estar a salvo de toda a censura, como diz o papa Hormisdas. E no concílio de Pisa lê-se: Quanto os eclesiásticos estão acima dos leigos pela sua dignidade, tanto devem edificá-los como o resplendor das suas virtudes; deve ser tal asua virtude que mova os outros à santidade. Como escreveu S. Leão: A vida exemplar dos governantes é a salvação dos súditos.

Por S. Gregório de Nissa é o padre chamado um mestre da santidade. Mas, se o mestre é orgulhoso, como há de ensinar a humildade? Se é intemperante, como há de ensinar a mortificação? Se é vingativo, como ensinará a doçura? Quem está à frente do povo, para o instruir e formar na virtude, diz Sto. Isidoro, tem obrigação de ser santo, sob todos os pontos de vista.

Se o Senhor disse a todos os homens: Sêde perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito, como observa Salviano, com quanto mais rigor há de exigir a perfeição dos padres, que estão encarregados de formar na virtude os outros? Como poderá acender o amor de Deus no coração dos outros, quem não mostra pelas suas obras que está abrasado desse fogo sagrado?

Nada pode incendiar uma luz apagada, diz S. Gregório. E S. Bernardo acrescenta que a linguagem do amor, na boca de quem não ama a Deus, é uma linguagem bárbara e estranha. Resultará, diz ainda S. Gregório, que o padre que não dá bom exemplo tornará desprezíveis os seus sermões, e até todas as suas funções espirituais, ajunta Sto. Tomás. Ordenou o Concílio de Trento que só sejam admitidos ao sacerdócio os que de tal modo se tornarem conhecidos pela sua piedade, e pureza de seus costumes, que se possam esperar deles exemplos excelentes de boas obras e advertências salutares. — Veja a este respeito o que diz o N. C. de Direito Canônico, principalmente no § 3. do cân. 973.

Assim, notai bem, o que primeiro se deve esperar do padre é o bom exemplo, e depois os bons conselhos, porque diz o Concílio, o bom exemplo é uma espécie de pregação contínua. Antes de pregarem com a palavra, devem os padres pregar com o exemplo, como ensina Sto. Agostinho. E S. João Crisóstomo diz: Nenhuma trombeta ressoa tão alto como os bons exemplos.

Tal era a razão desta advertência de S. Jerônimo ao seu caro Nepociano: Que a tua conduta não desminta as tuas instruções; de contrário, ao pregares na igreja, cada ouvinte poderia dizer baixinho: Porque não fazes o que pregas? A mesma linguagem emprega S. Bernardo: Terão força as vossas palavras, desde que os ouvintes estejam persuadidos de que muito primeiro começastes a praticar o que pregais aos outros. Mais força tem o pregão das obras que a voz da boca. Para que um pregador persuada os outros do que ensina, é necessário que ele próprio esteja e se mostre disso convicto; mas, como poderá mostrar-se tal quando faz o contrário do que diz? Quem faz o contrário do que ensina, a si próprio se condena, em vez de instruir os outros, diz o autor da Obra imperfeita. Persuade e comove um sermão, diz S. Gregório, quando a vida do pregador o confirma. Mais se movem os homens pelo que vêem do que pelo que ouvem; isto é, deixam-se persuadir antes pelos exemplos que lhes falam aos olhos, do que pelos discursos que lhes ressoam aos ouvidos. É o que fazem notar os padres dum Concílio, que por conseqüência querem que o sacerdote dê bom exemplo, tanto no modo de trajar como de viver. São os padres os espelhos do mundo, nos diz o Concílio de Trento; neles têm fixos os olhos todos os fiéis e os tomam como modelos em toda a sua conduta.

No mesmo sentido, diz S. Gregório: “É justo que o sacerdote se imponha pelos seus costumes, de modo que seja como um espelho em que o povo aprenda o que tem a fazer e a corrigir. É o que o Apóstolo nos dá a entender nestas palavras: Somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens. Tudo reclama a santidade do padre, escreveu S. Jerônimo. Segundo Sto. Euquério, suportam os padres o peso do mundo inteiro, isto é, têm o dever de salvar todas as almas; mas como? Pelo poder da santidade e pela força dos bons exemplos. Dali este decreto do 3.º Concílio de Valença: “É necessário que o padre se esforce por se mostrar um modelo de regularidade e modéstia, na sua apresentação grave, no seu rosto e nas suas palavras.

Notem-se estes três pontos: 1. Habitus. Que exemplo de modéstia podem dar os padres que, em vez de trazerem um casaco comprido e decente, usam jaquetões impróprios, punhos com botões de ouro?... 2. Vultus. Para inculcar modéstia, quando se aparece em público, é necessário conservar os olhos baixos, não só ao altar e na igreja, mas por toda a parte em que se encontrem pessoas do outro sexo. 3. Sermonis. Deve o padre tomar todo o cuidado para não repetir certas máximas do mundo e certas chocarrices contrárias à modéstia. O 4.º Concílio de Cartago mandou suspender das suas funções todo o clérigo que descesse a gracejos indecorosos. Mas que mal há em gracejar? Não, responde S. Bernardo, essas chocarrices entre seculares não passam de graçolas, mas na boca dum padre são blasfêmias, que causam horror. E acrescenta: Vós consagrastes a vossa boca à pregação do Evangelho; não podeis sem pecado abri-la a palavras tais, nem acostumar- vos a elas sem vos tornardes culpado de sacrilégio. É sempre perigoso dizer coisas que não edifiquem os que as ouvem. E coisas há, diz Pedro de Blois, que para os outros são leviandades e para o padre são um crime; porque da parte dele todo o mau exemplo se lhe torna em falta grave, desde que seja ocasião de queda para os outros. Lê-se em S. Gregório de Nazianzo: As manchas num vestido rico são mais sensíveis e causam maior impressão a quem as vê.

Deve também o sacerdote abster-se de toda a maledicência. No dizer de S. Jerônimo, há padres que se resguardam dos outros vícios e parece que não podem resistir à murmuração. Importa-lhes ainda não freqüentar as pessoas do mundo, em cuja sociedade se respira um ar viciado, que com o tempo arruína a saúde da alma; é a reflexão de S. Basílio. Deve finalmente o padre abster-se de certos divertimentos seculares, em que não seria edificante ver-se um ministro dos altares, como em comédias de todo profanas, bailes e reuniões, aonde afluem mulheres. É necessário, ao contrário, que ele seja visto a orar na igreja, a dar a sua ação de graças depois da missa, a visitar o Santíssimo, e a Mãe de Deus. Muitos há que cumprem os seus deveres de piedade às ocultas, com receio de serem vistos; é bom que se façam ver, não para atraírem louvores, mas para darem bom exemplo, e levarem os outros a glorificar a Deus, imitando-os.

Trecho do Livro A Selva – Santo Afonso Maria de Ligório pag 69-71

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